10/17/2012
O Menino de sua mãe
No plaino abandonado
Fernando Pessoa, Poesia do Eu, 2.ª ed., Lisboa, Assírio & Alvim, 2008
Que a morna brisa aquece,
De balas trespassado
- Duas, de lado a lado-,
Jaz morto, e arrefece
Raia-lhe a farda o sangue
De braços estendidos,
Alvo, louro, exangue,
Fita com olhar langue
E cego os céus perdidos
Tão jovem! Que jovem era!
(agora que idade tem?)
Filho único, a mãe lhe dera
Um nome e o mantivera:
«O menino de sua mãe».
Caiu-lhe da algibeira
A cigarreira breve
Dera-lhe a mãe. Está inteira
É boa a cigarreira.
Ele é que já não serve.
De outra algibeira, alada
Ponta a roçar o solo,
A brancura embainhada
De um lenço... deu-lho a criada
Velha que o trouxe ao colo.
Lá longe, em casa, há a prece:
"Que volte cedo, e bem!"
(Malhas que o Império tece")
Jaz morto, e apodrece,
O menino de sua mãe.
Génese do poema
O poema "O menino de sua mãe" viu a luz do dia através da revista Contemporânea, III Série, n.º 1, no ano de 1926, num período de grande criatividade do poeta. Segundo o próprio Pessoa, em confissão ao amigo Carlos Queiroz, sobrinho da sua única "namorada", Ophélia Queiroz, a inspiração para a escrita do texto surgiu-lhe após a observação, na parede de uma pensão onde jantou com um camarada, de uma litografia que representava um soldado morto na guerra.
No entanto, o ensaísta João Gaspar Simões (Vida e Obra de Fernando Pessoa) associa a figura do soldado morto do poema ao próprio Fernando Pessoa, assumindo a interpenetração da vida e obra do poeta. De acordo com esta tese, o tema da infância enquanto idade perfeita e feliz, paraíso perdido e irrecuperável, relacionar-se-ia com os primeiros cinco anos de vida, marcados pela felicidade, amor, bem-estar e proteção que a família lhe proporcionam: o conforto possível da casa espaçosa do Chiado nas traseiras do Teatro de S. Carlos; a presença do pai, um homem culto e atencioso; a atenção exclusiva e dedicada da mãe, uma mulher com índices e interesses culturais pouco habituais na época entre o género feminino (por exemplo, falava fluentemente francês e inglês); o convívio com duas velhas criadas e com a avó, não obstante os sinais inequívocos de senilidade que já patenteava.
Todavia, este quadro idílico rapidamente se alterou. Com efeito, o seu pai e o seu irmão mais novo adoeceram e, em julho de 1893, aquele acabou mesmo por falecer, o que fez com que Pessoa se mudasse para uma casa mais modesta, distante dos espaços que ele conhecia e amava. Entretanto, o falecimento do irmão mais novo fê-lo sentir novamente a devoção, o amor e o carinho maternos, mas esta situação revelou-se sol de pouca dura, visto que, em 1895, sua mãe constituiu uma nova família ao contrair matrimónio com João Miguel Rosa, facto que obrigou o poeta a acompanhá-la para Durban, na África do Sul, para onde se deslocou em 1896 em virtude de o segundo marido aí desempenhar as funções de cônsul de Portugal.
Análise do poema
Este poema é suscetível de uma dupla leitura: uma literal, que nos apresenta a imagem de um soldado morto na guerra e abandonado no campo de batalha e o dramatismo da vivência familiar, representada pela mãe, e outra metafórica.
1. Tema:
- o tema da guerra e dos meninos injustamente roubados à vida / à idade ("Agora que idade tem?"), às mães, às amas, à infância;
- a nostalgia da infância irremediavelmente perdida.
2. Estrutura interna
1.ª parte (estrofes 1-2) - Descrição do «cenário»:
- Espaço:
- planície ("plaino abandonado"): a imensidão, a solidão, o abandono;
- Tempo:
- o presente;
- "a morna brisa";
- Menino:
- morto ("De balas trespassado..."; "Jaz morto...") recentemente ("... e arrefece...", não obstante a brisa morna);
- abandonado, só, na imensidão da planície, no campo de batalha ("No plaino abandonado..." → hipálage: a característica do abandono é transposta do menino para a planície);
- a farda ensopada de sangue, que vai alastrando, o que confirma que a morte foi recente;
- "De braços estendidos", abandonados;
- "alvo", cor que simboliza a pureza, a inocência e a paz, o que configura um contraste com as ideias de guerra e de morte tratadas no texto;
- louro;
- exangue → palidez advinda da morte;
- o olhar parado, sem vida, fixo ("fita") nos "céus perdidos" ("céus" → o paraíso perdido da infância).
Em suma, nesta primeira parte o sujeito lírico remete-nos para um «plaino», cenário de guerra, onde se encontra o corpo morto de um menino.
No que diz respeito à linguagem e ao estilo, destaque para os seguintes recursos:
. o recurso ao presente do indicativo, tempo da descrição realista do «cenário» e da morte recente do menino;
. a adjetivação rica e abundante, que exprime a morte e o abandono do menino ("traspassado", "morto", "estendidos", "langue e cego" → dupla adjetivação; "perdidos"), bem como a sua juventude e inocência ("alvo, louro, exangue" → tripla adjetivação);
. as sensações visuais ("Raia-lhe a farda o sangue"; "alvo, louro, exangue", etc) e tácteis ("a morna brisa aquece", etc.);
. o hipérbato: "Raia-lhe a farda o sangue..." (a ordem habitual dos elementos da frase seria a seguinte: "O sangue raia-lhe a farda...");
. o contraste antitético entre a brisa morna e o corpo do menino que arrefece;
. o predomínio de frases de tipo declarativo, que se adequam ao tom descritivo das duas estrofes iniciais.
. 2.ª parte (est- 3-5) - Discurso emotivo, judicativo, onde se destacam:
- a juventude do menino, traduzida pelas exclamações e pelarepetição do adjetivo «jovem», que simultaneamente remete para a perplexidade / o espanto do sujeito lírico pela morte absurda de alguém tão jovem;
- a «ausência de idade»;
- o ser filho único;
- o amor, o carinho, a ternura de que era objeto por parte da mãe, presente na expressão com que ela o chamava e que funciona como título do poema ("O menino de sua mãe.");
- a «cigarreira breve» (hipálage), prenda da mãe:
. símbolo do amor e carinho maternos;
. símbolo da efemeridade da vida do menino (nem teve tempo de a usar, daí que ela se encontre «inteira e boa» - dupla adjetivação -, em contraste com ele, morto - antítese);
- o lenço bordado, oferecido pela "criada / Velha que o trouxe ao colo":
. símbolo do carinho e da proteção;
. símbolo da pureza e inocência, representadas pela «brancura embainhada» (hipálage);
. símbolo da brevidade da vida.
. 3.ª parte (6.ª estrofe) - O espaço familiar:
- espaço: a casa, o ambiente familiar, outrora sinónimo de proteção, refúgio, e agora de saudade e esperança;
- a distância: «Lá longe»;
- a prece (inútil: «em vão»):
. a saudade do menino;
. a esperança no seu regresso rápido e são / saudável;
. a mãe, símbolo de amor, carinho, saudade e esperança;
. o desfasamento entre a realidade (o menino morto) e as expectativas presentes na prece da mãe e da criada→ o dramatismo, o caráter trágico daquela morte;
. a causa da tragédia - o desejo de Impérios, presente no discurso parentético do verso 28 - e a intemporalidade da mensagem do poema, evidenciada pela utilização do presente do indicativo;
. a intensificação do realismo, assente no recurso à gradação ("Jaz morto e arrefece." - v. 5; "Jaz morto, e apodrece..." - v. 29), que traduz a passagem do tempo, manifesta no apodrecimento do cadáver, o resultado final da guerra.
3. Estrutura narrativa do poema
» Narrador: o sujeito lírico (subjetivo, porque emite juízos de valor sobre o que «narra»).
» Ação: a morte de um menino na guerra.
» Personagens: o menino, a mãe, a criada...
» Espaço:
- o plaino abandonado, o campo de batalha, símbolo da morte;
- lá longe, em casa: o dramatismo presente nas preces vãs para que volte cedo e bem.
» Tempo: presente (o da morte e da prece) e passado (o carinho, o amor, a proteção caseiras).
4. Estrutura formal
Esta composição poética é constituída por seis quintilhas de versos hexassílabos (seis sílabas métricas: No / plai / no a/ ban / do / na ) e rima cruzada, emparelhada e interpolada, de acordo com o seguinte esquema rimático: a b a a b.
Conclusão
Não obstante as leituras biográficas deste poema a que se aludiu no início do «post», a verdade é que a sua leitura nos remete para o drama que afligiu o poeta e que encontramos quer no ortónimo quer nos heterónimos: a nostalgia da infância, símbolo da inocência, da inconsciência, da felicidade (inconsciente) e da alegria, em suma, uma idade perfeita - um paraíso - (neste poema, simbolizada pela cigarreira e pelo lenço, representações do passado vivido junto de quem amava e de quem o amava), mas longínqua e irrecuperável, o que gera nostalgia, desesperança, para mais em contraste com a consciência aguda que lhe provoca dor, bem como a sensação de desconhecimento de si mesmo, de perda da identidade.
RETIRADO DAQUI
Uma leitura do poema "Gato que brincas na rua"
"Gato que brincas na rua"
À semelhança do que faz em
"Autopsicografia", Pessoa parte de uma imagem, de uma cena do
quotidiano, neste caso um gato a brincar na rua. Além disso, o poema
recorda-nos "Tabacaria", nomeadamente o momento em que a sua atenção
se centra na rapariga que come chocolates, absorta do resto do mundo. Ora,
sucede que é esta ausência de preocupação que o espanta, intriga e lhe desperta
a «inveja» que espelha no poema em análise.
O tema do poema
é, mais uma vez, a dor de pensar, motivada pela intelectualização
do sentir, do qual decorrem outras temáticas caras ao poeta: a felicidade de
não pensar; o isolamento do «eu» face às «pedras e gentes»; a inveja sentida
pelo sujeito poético relativamente à inconsciência do animal; o
desconhecimento, a sensação de estranheza do «eu» em relação a si.
O poema abre com a apresentação da
referida situação de um gato que o sujeito poético observa a brincar na rua
como se fosse na cama (comparação). Esta circunstância coloca-nos desde
logo na presença de um animal feliz (porque está a brincar) e ao mesmo
tempo tranquilo, despreocupado, indiferente e inconsciente do perigo
(novamente a comparação «como se brincasse na cama»)
por ser irracional, não pensar. Por outro lado, sugere-se que o gato age no
exterior e no contacto com os outros («na rua» - v. 1) com a mesma naturalidade
com que brinca na cama, na sua «intimidade». Assim, o sujeito poético sugere
que o gato não age segundo quaisquer convenções, antes vive apenas de acordo
com a sua vontade e os seus instintos próprios de animal irracional. Além
disso, tem «sorte», a sorte de ser inconsciente dos perigos, de ser irracional
e não pensar, por isso cumpre o seu destino sem se lhe opor minimamente, não o
questionando (v. 5), cumprindo assim, no fundo, a ambição de Ricardo Reis, que
é a de sentir o destino como algo inevitável. Como não pensa, é o «nada», mas
é-o plenamente e é feliz, porque não se conhece, regendo-se pelos seus
«instintos gerais». «Todo o nada» que o gato é, porque não pensa no que é,
pertence-lhe, já que depende exclusivamente dos seus sentidos. Ao contrário do
que sucede com o sujeito poético, no gato predomina o sentir sobre o pensar: o
animal não tem consciência do que sente, limita-se a sentir (v. 8). Em suma, é
feliz«porque [é] assim», isto é, irracional, inconsciente, porque age
por instintos. O gato aceita calmamente o destino (v. 5), age apenas por
instintos gerais (v. 7), isto é, comandado apenas pelos sentidos (v. 8), assim
conseguindo ser feliz (v. 9).
Por seu lado e perante este
quadro, o sujeito poético não esconde a sua admiração e inveja relativamente
à sorte do gato, ou seja, de ser inconsciente e poder brincar sem pensar em
(mais) nada, o que é equivalente a dizer que inveja o gato pela felicidade
simples resultante da vivência plena das coisas sem pensar. O sujeito poético
inveja a sorte do gato que, na realidade, nem «sorte se chama», isto é, não se
trata de sorte, dado que são as leis da natureza que permitem ao felino ser um
ser inconsciente feliz.Pelo contrário, ele tem a consciência plena de que é
infeliz, ideia que é acentuada pela observação do gato e do seu comportamento,
pois pensa-se, ao contrário do animal, daí que revela também tristeza e desolação por
não conseguir abolir o pensamento e, dessa forma, ser igualmente feliz. De
facto, ele é um ser dominado pela racionalização, em busca constante de
autoconhecimento, tudo racionaliza, transforma as sensações em pensamentos, daí
a sensação de estranheza face a si mesmo.
Podemos, em suma, afirmar que o
sujeito poético inveja o gato por três razões:
1.ª) Tem "instintos gerais" e
sente só o que sente, ou seja, não pensa sobre o que está a sentir, limita-se a
sentir;
2.ª) É "um bom servo das leis fatais",
isto é, não tenta contrariar as etapas inevitáveis da existência: nascimento,
crescimento e morte;
3.ª) "Todo o nada que és é teu", ou
seja, ao contrário do sujeito poético, o gato não pensa, não se questiona .
Assim, esta dor de pensar que o tortura leva-o a desejar ser
inconsciente como a ceifeira e como o gato, que não pensam.
A nível formal, o
poema é constituído por três quadras, num total de 12 versos de redondilha
maior (versos de 7 sílabas métricas). A rima é cruzada, segundo o esquema ABAB.
Morfologicamente, predominam o
nome e o verbo no presente do indicativo (traduzindo a factualidade da situação
apresentada), escasseando os adjetivos («fatais», «gerais», «feliz»).
Estilisticamente, a comparação dos versos 1 e 2 («Gato que brincas na rua / Como se fosse na cama») traduz a despreocupação do gato por se tratar de um animal irracional. A metáfora «Bom servo das leis fatais» remete para a inconsciência do gato e a aceitação calma do destino. As antíteses são diversas e giram todas em torno da oposição gato (guiado pelos instintos, livre e feliz) / sujeito poético (angustiado, infeliz e torturado pela dor de pensar, porque guiado pelo pensamento): consciência / inconsciência, pensar / sentir; prisão / liberdade, angústia / alegria, felicidade / infelicidade. Todas elas apontam para as diferenças entre o sujeito poético e o gato. O paradoxo que finaliza o poema («Eu vejo-me e estou sem mim, / Conheço-me e não sou eu.» - vv. 11-12) sugere a procura do autoconhecimento, a racionalização e a estranheza face a si mesmo.
O vocabulário é simples e com valor denotativo. Por último, nota para as orações subordinadas causais:
Estilisticamente, a comparação dos versos 1 e 2 («Gato que brincas na rua / Como se fosse na cama») traduz a despreocupação do gato por se tratar de um animal irracional. A metáfora «Bom servo das leis fatais» remete para a inconsciência do gato e a aceitação calma do destino. As antíteses são diversas e giram todas em torno da oposição gato (guiado pelos instintos, livre e feliz) / sujeito poético (angustiado, infeliz e torturado pela dor de pensar, porque guiado pelo pensamento): consciência / inconsciência, pensar / sentir; prisão / liberdade, angústia / alegria, felicidade / infelicidade. Todas elas apontam para as diferenças entre o sujeito poético e o gato. O paradoxo que finaliza o poema («Eu vejo-me e estou sem mim, / Conheço-me e não sou eu.» - vv. 11-12) sugere a procura do autoconhecimento, a racionalização e a estranheza face a si mesmo.
O vocabulário é simples e com valor denotativo. Por último, nota para as orações subordinadas causais:
ü «Porque nem sorte se chama» (v. 4): a
justificação da inveja da sorte do gato, pelo facto de este desconhecer o
significado de sorte;
ü «Que tens instintos gerais» (v. 7):
apresenta a razão de o gato ser um cumpridor do destino;
ü «És feliz porque és assim» (v. 9): traduz
a razão da felicidade do gato (sentir).
10/03/2012
A alegoria da caverna - Platão e poema "Isto"
"Isto"
Este poema parece ter sido uma espécie de resposta ou
de esclarecimento em relação à questão do fingimento poético enunciada em
"Autopsicografia": não há mentira no acto de criação poética; o
fingimento poético resulta da intelectualização do "sentir", da sua
racionalização.
Análise retirado daqui
. Tema: o fingimento poético (como afirmou
Álvaro de Campos, "Fingir é conhecer-se.").
. Assunto: tal como
"Autopsicografia", esta composição poética funciona como uma espécie
de arte poética, na qual o poeta expõe o seu conceito de poesia como
intelectualização da emoção.
. Estrutura
interna
. 1.ª parte (1.ª
estrofe) - Tese do sujeito poético:
. não
mente;
. antes
sente com a imaginação:
- simultaneidade dos atos de sentir e imaginar;
- fingimento poético através da imaginação;
. não
usa o coração → a base da poesia não reside nas
sensações, no coração, mas na inteligência, no seu fingimento.
. 2.ª parte (2.ª
estrofe) - Fundamentação filosófica do uso da imaginação:
(clica no retângulo)
A realidade de onde o sujeito
poético parte é apenas a aparência ou o terraço (fronteira) que encobre outra
coisa: as ideias, a obra poética, o Belo. Socorrendo-se do pensamento, da
imaginação, o sujeito poético pretende ultrapassar o que lhe "falta ou
finda" e contemplar "outra coisa (...) que é linda".
. 3.ª parte (3.ª
estrofe) - Conclusão:
. o
poeta liberta-se do que "está ao pé", do seu "enleio" → as sensações, o mundo das aparências, em busca daquilo que é verdadeiro e
belo ("a coisa linda");
. escreve
"em meio do que não está ao pé" → o mundo das ideias, da
inteligência, da imaginação que transforma as sensações, através do fingimento, em arte
poética - a recusa da ideia da poesia enquanto expressão imediata das
sensações;
. o sentir é para quem não é
poeta, para quem se limita ao mundo do sensível, das aparências - o leitor -,
pois o poeta não sente.
. Forma
Formalmente, o poema é constituído por três quintilhas de
versos hexassílabos e rima cruzada e emparelhada,
segundo o esquema a b a b b.
. Linguagem e estilo
Em termos fónicos, é destacar o recurso frequente ao transporte (vv.
3-4, 8-9, etc.) e à aliteração:
. em "s": "Eu simplesmente sinto
/ Com a imaginação / Não uso o coração";
. em "f": "O
que me falha ou finda";
. em "l": "Livre
do meu enleio".
Por outro lado, nas duas primeiras quintilhas dominam os sons fechados e nasais("Não",
"Sinto", "imaginação"),
que desaparecem na última estrofe, o que pode indiciar a evolução de um
estado de arrastamento para outro de clarividência ou convicção.
A nível morfossintático, é de destacar o recurso à primeira pessoa ("finjo",
"minto", "escrevo", etc.), ao contrário do sucedido em
"Autopsicografia", o que parece indicar a preocupação de conferir um
tom intimista e confessional ao texto, por oposição ao caráter eminentemente
programático do outro poema.
Por outro lado, predominam as frases de tipo declarativo,
que, associadas ao ponto final, traduzem a procura de
formulação de uma teoria, de uma arte poética. No último verso, porém,
encontramos uma frase interrogativa e outra exclamativa,
que encerram alguma ironia e remetem o sentir para o leitor.
Em termos semânticos, o maior destaque vai para a comparação presente
entre os versos 6 e 9, que apresenta a realidade vivida pelo sujeito poético
como uma mera passagem para a «outra coisa», isto é, a obra poética, expressão
máxima do Belo.
9/26/2012
Fernando Pessoa - documentário (Grandes Portugueses)
“Fernando Pessoa é uma das personalidades mais complexas e representativas da literatura europeia do século XX. É como ensaísta que primeiro se revela, ao publicar, em 1922, na revista A Águia uma série de artigos sobre “A Nova Poesia Portuguesa”. Afastando-se do grupo saudosista, (…) vai ser um dos introdutores do Modernismo em Portugal. O ano de 1914 fica, na biografia interior do poeta, como um ano decisivo, pelo aparecimento dos heterónimos.”
Dicionário de Literatura, J. Prado Coelho, Porto, Liv. Figueirinhas
Alberto Caeiro (heterónimo);
Ricardo Reis (heterónimo);
Álvaro de Campos (heterónimo)
9/13/2012
9/12/2012
Primeiro Modernismo
Contextos políticos,
sociais e culturais do(s) Modernismo(s)
- Entre
1885 e 1930 surgiram “quase todas a invenções que iriam moldar a civilização
industrial da segunda metade do século XX”: o telégrafo, o automóvel, a lâmpada
elétrica, o telefone, a fotografia, a máquina de escrever e a de costura, o
cinema, o avião.
- “Nesta
época o tráfico automóvel encheu as grandes cidades, milhões de camponeses
deixaram os campos rumo à América (25 milhões de europeus chegaram aos Estados
Unidos entre 1875 e 1900), as mulheres das classes médias começaram a trabalhar
fora de casa e a estudar em liceus e universidades. O sufrágio universal,
nalguns casos abrangendo já a população feminina, convertia-se definitivamente
na base dos governos. Escritores e pintores declaram ruidosamente o seu
desprezo pelas seculares regras de gramática e da perspetiva e produziram
novelas sem intriga e quadros que nada pareciam representar. A servir de
cenário para tanta irreverência estava a desarrumação social provocada por um
século de crescimento populacional e económico.” (José Mattoso, História de
Portugal, Círculo de Leitores, 1994)
- Vivia-se
um clima de euforia e de otimismo que se manifestou na literatura e nas artes,
sob a forma de canto da energia, da força, do Homem, de todas as
manifestações de vida, presente na
poesia Walt Whitman, poeta norte americano ou de Marinetti e outros futuristas;
também na vida quotidiana se assistia a uma enorme alegria de viver, patente no
luxo, na boémia parisiense, - a belle époque – na realização da Grande
Exposition Universelle de Paris (1889). O ferro e o aço – e mais tarde o
cimento armado – tornam-se materiais d uma nova arquitetura, simbolizada na
Torre Eiffel e no “modern style” ou “arte nova”.
- Também no
comércio se pensava em grande – surgem as primeiras “grandes superfícies”
(Grands Magasins, Printemps, Grandela, Chiado...), a agricultura desenvolvia-se
(progresso das máquinas e incrementos das indústrias químicas dos adubos).
Outros setores entravam em franca expansão, por exemplo, o da Banca.
- A par
destes fatores geradores de euforia, graves problemas surgiam:
- Crises cíclicas de superprodução (1888, 1896,
1900, 1913, 1917, 1922), geradoras de miséria social, crises de habitação
(ligadas à diminuição da mortalidade, graças aos progressos da medicina e
da higiene), grandes movimentos migratórios (sobretudo para os EUA,
Canadá; Austrália, Brasil...)
- Movimentos sociais que levaram, ora à
Revolução (Rússia, 1917), ora ao desenvolvimento de sentimentos
nacionalistas e xenófobos (que levariam a diversos fascismos e a duas
Guerras Mundiais).
- Em
Portugal o sentimento de decadência agudizou-se a partir de 1870, dele
tendo nós ecos sobejos nas obras de Eça de Queirós, Antero de Quental, Cesário
Verde e outros – daí o decadentismo inerente às correntes finisseculares do
Neo-garretismo, do Simbolismo ou do Saudosismo, presentes na poesia, na prosa
narrativa e no teatro. Do ponto de vista político, assistiu-se ao
desenvolvimento do sindicalismo e da ideia republicana (vitoriosa em 1910). Os
tempos da 1ª República foram difíceis, com sucessivas crises financeiras e
políticas. A emigração em massa para o Brasil, EUA e, em especial para as
colónias, a instabilidade política, a participação na Primeira Guerra Mundial
aumentaram esse clima de pessimismo e de miséria. Por isso, alguns dos nossos
melhores espíritos acolheram com bons olhos a tentativa ditatorial de Sidónio
Pais e, em 1926, a Ditadura militar e o regime do Estado Novo (António Pessoa,
por exemplo, só posteriormente se distanciou do regime salazarista.)
Crise
de consciência, crise da Razão
- Tais
fatores contraditórios acompanharam um pôr em questão de toda uma série de
pressupostos filosóficos de base cartesiana e positivista. Para tal muito
contribuíam Freud (“pai” da psicanálise)
e Einstein (teoria de relatividade).
Esta crise do pensamento racional gerou um
reforço de atitudes filosóficas de pessimismo (Hartmann, Shopenhauer) e de decadentismo,
marcadas por um clima de ceticismo em relação à Razão, à Moral e à própria
Ciência... Desenvolveram-se as Ciências Humanas (Antropologia, Psicologia,
Sociologia...) e, na Literatura e nas Artes, deu-se largas a conceitos anti
tradicionais, propondo-se caminhos estéticos novos, definitivamente afastados
dos pressupostos aristotélicos, naquilo que podemos designar por Modernismo
(s).
Amélia Pinto Pais, História da Literatura em
Portugal, Areal Editores (texto adaptado.)
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