"Isto"
Este poema parece ter sido uma espécie de resposta ou
de esclarecimento em relação à questão do fingimento poético enunciada em
"Autopsicografia": não há mentira no acto de criação poética; o
fingimento poético resulta da intelectualização do "sentir", da sua
racionalização.
Análise retirado daqui
. Tema: o fingimento poético (como afirmou
Álvaro de Campos, "Fingir é conhecer-se.").
. Assunto: tal como
"Autopsicografia", esta composição poética funciona como uma espécie
de arte poética, na qual o poeta expõe o seu conceito de poesia como
intelectualização da emoção.
. Estrutura
interna
. 1.ª parte (1.ª
estrofe) - Tese do sujeito poético:
. não
mente;
. antes
sente com a imaginação:
- simultaneidade dos atos de sentir e imaginar;
- fingimento poético através da imaginação;
. não
usa o coração → a base da poesia não reside nas
sensações, no coração, mas na inteligência, no seu fingimento.
. 2.ª parte (2.ª
estrofe) - Fundamentação filosófica do uso da imaginação:
(clica no retângulo)
A realidade de onde o sujeito
poético parte é apenas a aparência ou o terraço (fronteira) que encobre outra
coisa: as ideias, a obra poética, o Belo. Socorrendo-se do pensamento, da
imaginação, o sujeito poético pretende ultrapassar o que lhe "falta ou
finda" e contemplar "outra coisa (...) que é linda".
. 3.ª parte (3.ª
estrofe) - Conclusão:
. o
poeta liberta-se do que "está ao pé", do seu "enleio" → as sensações, o mundo das aparências, em busca daquilo que é verdadeiro e
belo ("a coisa linda");
. escreve
"em meio do que não está ao pé" → o mundo das ideias, da
inteligência, da imaginação que transforma as sensações, através do fingimento, em arte
poética - a recusa da ideia da poesia enquanto expressão imediata das
sensações;
. o sentir é para quem não é
poeta, para quem se limita ao mundo do sensível, das aparências - o leitor -,
pois o poeta não sente.
. Forma
Formalmente, o poema é constituído por três quintilhas de
versos hexassílabos e rima cruzada e emparelhada,
segundo o esquema a b a b b.
. Linguagem e estilo
Em termos fónicos, é destacar o recurso frequente ao transporte (vv.
3-4, 8-9, etc.) e à aliteração:
. em "s": "Eu simplesmente sinto
/ Com a imaginação / Não uso o coração";
. em "f": "O
que me falha ou finda";
. em "l": "Livre
do meu enleio".
Por outro lado, nas duas primeiras quintilhas dominam os sons fechados e nasais("Não",
"Sinto", "imaginação"),
que desaparecem na última estrofe, o que pode indiciar a evolução de um
estado de arrastamento para outro de clarividência ou convicção.
A nível morfossintático, é de destacar o recurso à primeira pessoa ("finjo",
"minto", "escrevo", etc.), ao contrário do sucedido em
"Autopsicografia", o que parece indicar a preocupação de conferir um
tom intimista e confessional ao texto, por oposição ao caráter eminentemente
programático do outro poema.
Por outro lado, predominam as frases de tipo declarativo,
que, associadas ao ponto final, traduzem a procura de
formulação de uma teoria, de uma arte poética. No último verso, porém,
encontramos uma frase interrogativa e outra exclamativa,
que encerram alguma ironia e remetem o sentir para o leitor.
Em termos semânticos, o maior destaque vai para a comparação presente
entre os versos 6 e 9, que apresenta a realidade vivida pelo sujeito poético
como uma mera passagem para a «outra coisa», isto é, a obra poética, expressão
máxima do Belo.
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